28 de junho de 2012

Entrevista de Mukti Mata, por Margaret Wolff

Mukti Mata, discípula direta de Paramahansa Yogananda por mais de 60 anos, faleceu em 6 de fevereiro de 2008. O que segue é uma entrevista realizada por Margaret Wolff, que foi publicada na edição da Self-Realization Magazine da primavera de 1999.

Entrevista:

Você esteve com Paramahansa Yogananda de 1945 até seu falecimento, em 1952. Como você o conheceu?

A história começa muitos anos antes de eu conhecê-lo. Durante minha infância eu sempre quis saber se havia alguém na terra que me pudesse descrever o propósito da vida e o que deveríamos todos nós aprender estando aqui. Enquanto eu ficava mais velha eu costumava periodicamente – em torno de cada dois ou três anos – desenhar um par de olhos castanhos nos quais eu tentava criar uma expressão de eternidade. Houve vezes em que minha concentração naqueles olhos era tão focada que eles tomavam uma dimensão própria, como se eles fossem uma rota para o céu. Cada vez que isto acontecia, eu não conseguia mais prosseguir com o desenho, mais por algum tempo depois disto eu ficava procurando tais olhos em faces de pessoas estranhas. Nunca encontrando o que procurava, a experiência trazida pelo desenho às vezes desvanecia de minha mente, temporariamente sendo esquecida.


No início da segunda guerra mundial, iniciei um trabalho como ilustradora técnica. A cada dia no caminho do trabalho eu passava em uma igreja. Inscrita em uma pedra no canto, estava a frase: “E vós sabereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Um dia eu caminhei uma quadra passando a igreja e minha mente mergulhou naquela inscrição, como por um forte e invisível magnetismo. Eu parei e ponderei aquelas palavras por algum tempo considerável, dando-me conta que muito poucos de nós sabiam o que a verdade era. Mais tarde eu conclui que, talvez, a verdade e Deus deveriam ser uma e a mesma coisa.

Meu interesse na Verdade – e minha necessidade dela – aumentou. Um dia eu orei, “Senhor, se você existe, prove a mim”. Instantaneamente eu pude sentir uma poderosa presença – invisível mas ainda podendo ser sentida cheia de prazer e humor. “Não ria!” Eu disse, “ Eu falo sério!”. Como resposta, a presença imediatamente serenou um pouco. Dando-me conta que havia desafiado o próprio Senhor, eu mentalmente guardei o incidente em uma cristaleira imaginária e tranquei a porta, resolvendo levar a sério somente as partes da minha vida que fossem tangíveis e explicáveis.

Duas semanas depois um amigo convidou-me para ir a Hollywood. Eu pensei, “Hollywood! O que vamos fazer lá? Visitar a casa de estrelas de cinema?” Mas como não tinha nada planejado aquela manhã, eu concordei. Para minha surpresa, nós fomos ao serviço no tempo da SRF. Enquanto entrávamos na capela, senti uma paz profunda permeando o prédio e disse a minha companhia, “Eu já estive em igrejas antes, mas esta é a primeira igreja real que eu presencio!”. Então, as cortinas atrás do palco abriram, e eu vi Paramahansa Yogananda pela primeira vez. Era óbvio que ele não era um homem comum. Eu sussurrei ao amigo, “Este homem tem olhos como os de Jesus”. Embora eu nunca tivesse a benção de ver Jesus, eu sabia de algum modo estar falando a verdade. Eu compreendi então que, em Paramahansa Yogananda, eu tinha encontrado os olhos que tentara desenhar.

Eu estava inspirada pela imensidão de sua consciência e intuitivamente sabia que esta não era limitada como nos homens normais. Comecei a visualizá-lo em uma catedral, alguma erigida de acordo com sua estatura espiritual, mas nada do que eu podia imaginar parecia grande o bastante. Eu lembro de ter pensado, “somente o céu pode ser o telhado de sua catedral”.

Quando deixei o templo aquele dia, minha mente e alma estavam trancafiadas em sua mensagem sobre Deus.

Eu retornei ao templo cada Domingo, depois disto. Cinco semanas após o dia que eu ouvi seu discurso pela primeira vez, - No Domingo, 23 de dezembro de 1945 – Eu cheguei ao tempo uma hora antes da leitura. Como não sabia como meditar, eu pretendia ficar quieta na capela para absorver a atmosfera. Enquanto eu me aproximava da entrada do prédio, tive o impulso de me virar. Lá estava o Mestre.

Seu olhar era antigo, atemporal. Ele ficou lá, silenciosamente me fitando, por certos momentos. Anos depois, eu pensei que talvez meus sentimentos naquele dia foram algo semelhante ao que ele deve ter sentido ao ver seu Guru, Swami Sri Yukteswarji, pela primeira vez. Tivesse ele sinalizado a mim, Eu teria se aproximado dele, mas senti que poderia ser sacrilégio ir a ele sem ele me chamar. Então eu continuei caminhando. Quando entrava, não pude resistir ao impulso de olhar para trás. Quando olhei, ele havia partido.

Paramahansaji terminou o serviço aquele dia com dois anúncios: o primeiro era que se não tivéssemos obrigações familiares, poderíamos ir ao Mt. Washington - headquarters para o trabalho mundial da SRF – e servir Deus; O segundo era que haveria uma meditação de natal de oito horas no dia seguinte em Mount Washington. Embora não tivesse conhecimento que Paramahansaji era um guru com discípulos, depois do primeiro anúncio eu senti como se uma grande porta estivesse se abrindo em minha consciência. Embora eu quisesse estar lá, eu pensei, depois de ouvir o segundo anúncio, que não saber como meditar poderia me desqualificar de cumprir a meditação de natal.

Pelas nove horas na manhã seguinte, eu fui arrebatada pelo desejo de estar naquela meditação. Não tinha idéia de como ir a Mt. Washington ou de onde era, e tinha menos de uma hora para descobrir. O pensamento veio, “telefone a seu irmão”. Eu expliquei a situação; Ele veio imediatamente e eu cheguei em Mt. Washington com três minutos restando. Paramahansaji começou a meditação com uma prece de abertura, então deu algumas linhas gerais de como meditar. Segui suas instruções e, pela sua graça e pela graça do Senhor, fui muito bem.

Quando a meditação terminou ele se postou na porta da capela e abençoou cada um de nós enquanto saíamos. Estar lá, esperando pela vez de estar diante dele... eu me senti como uma criança que havia perdido ambos os pais terrenos e que agora havia encontrado-os em uma forma única. Eu também senti tremenda reverência e respeito que você naturalmente sente por alguém tão grande como ele. Após ele me abençoar, ele disse: “Eu quero lhe ver”. Então, esperei na lareira da sala de recepção, em um instante Daya Mata apareceu e a segui de volta a capela. Paramahansaji estava sentado em uma banqueta estilo antigo, seus olhos vivenciando a eternidade. Vindo a sua presença... foi como se centenas de milhares de véus fossem retirados, um após o outro. Então, uma voz silenciosa me disse. “Você sempre procurou por alguém que estivesse além das limitações humanas, além da ganância, egoísmo, raiva” – todas as coisas “amáveis” que nos importunam – e, como disse antes, eu realmente buscava alguém. Então a voz disse. “Eu sou Yogananda.” A voz então qualificou a afirmação, dizendo: “Yogananda se tornou Eu.”

Eu estava ciente de que Paramahansaji sabia não somente o que eu tinha acabado de vivenciar, mas também que ele conhecia meus pensamentos. A primeira coisa que ele disse a mim foi “Você veio”. “Sim, Senhor”, eu disse, e embora eu não sabia pelo que tinha vindo, respondi verdadeiramente. Nós conversamos sobre o que eu estava fazendo e quando eu poderia me mudar a Mt. Washington. Ele me convidou ao banquete de natal do dia seguinte e a sua festa de aniversário no dia 5 de janeiro. Eu fui morar em Mt. Washington quatro semanas depois.

O que é mais cativante para você em seu mestre?

Não somente a divindade que ele representa, mas a eternidade desta divindade. Ele era como uma flama brilhante, e quando você estava em sua presença você sempre sentia alguma coisa da qual você realmente era também. Ele abria portas escondidas em você.

Estar com ele elevou sua consciência.

Sempre. Sua presença era tão poderosa que você sabia sempre quando ele chegava a Mount Washington, mesmo que no meio da noite. Embora você tivesse ciência do poder dele, Você também sabia instantaneamente, quando o via, que ele amou você incondicionalmente. Você reconhecia isto – este incondicional, eterno amor – como algo que você esteve procurando sua vida inteira, e compreendia que nada era mais importante que sua busca pela consciência que ele possuía. Mas o que ele tinha que fazer pra nos ajudar neste objetivo era um problema bem diferente!

Administrar a disciplina é sempre a parte mais difícil no expressar o amor...

Tenho certeza que para ele sim. Ele costumava nos dizer: “Eu caminho pela consciência de cada um de vocês todas as noites.” Este era o modo dele dizer que estava mantendo atenção em nosso progresso espiritual, checando para ver se estávamos “no caminho”.

Eu sabia que tinha coisas para aprender, mas nem sempre sabiam quais eram. Por exemplo, alguns meses depois de minha chegada eu presenciei dois discípulos conversando sobre suas faltas. Eu fiquei imaginando se com certa regularidade eu seria indagada sobre minhas imperfeições, então eu me ocupei e fiz uma lista das coisas que eu pensava serem minhas deficiências.

Em torno de dois dias depois, vi Paramahansaji no hall de entrada: “Senhor”, eu disse, “Acho que tenho estas faltas!”. Ele simulou uma cara de espanto, então disse: “Oh não! Não é este o caminho, apenas ame a Deus.” Ele estava me ensinando a não me concentrar nas minhas limitações humanas.

O Guru compreendeu você...

O Guru é o único que o compreende. Eu sempre pensei que se me expressasse claramente as pessoas poderiam compreender sobre o que eu estava tentando convencê-las. Ficava chocada quando isto não ocorria. Por duas vezes, Paramahansaji me falou: “Não espere que as pessoas te compreendam”. Aparentemente, eu precisava ouvir isto duplamente.

Este é o melhor conselho que ele lhe deu?

Eu penso que tudo que ele me falou é o melhor conselho que recebi. Ele me deu o que precisava exatamente no momento que precisava.

O guru é o canal pelo qual tudo flui, que propicia-nos atingir aquele estado de não identificação com o ego. Se você precisa daquela reprimenda espiritual para lhe acordar, para fazer você pensar mais profundamente sobre algo, ótimo! Uma discípula aprende a apreciar estas “sacudidas”, porque ela vê o quanto ganha delas. Paramahansaji sempre tinha uma razão para o que ele fazia e seu treinamento era diferente para cada discípulo. Você sempre acabava fazendo coisas que nunca tinha feito antes e que usualmente não gostaria de fazer!

Eu lembro que nós usualmente tínhamos uma mestre cuca que preparava os almoços de solenidades que Paramahansaji oferecia no tempo de Hollywood da SRF, após os serviços de domingo. Nós nunca sabíamos de antemão quantos convidados ele iria convidar, seja seis pessoas ou sessenta, esta cozinheira sempre estava habituada a controlar a situação. Quando ela foi chamada para cuidar de assuntos familiares, Paramahansaji me encarregou de prepara aquelas refeições – Eu, não tinha idéia de como cozinhar, muito menos preparar comida para sessenta pessoas!

Eu procurei fazer uma listas dos ingredientes que iam no curry que era servido frequentemente, mas não tinha idéia de quais proporções usar ou como preparar os pratos. Ainda, devido a Paramahansaji ter solicitado a mim, eu tive que ir a cozinha na noite anterior a um almoço, descascar batatas, colocando-as em um pote de água. Então eu ficava perante o pote e pensava: “Bom! Isto é muito ou não é o suficiente?” Às vezes eu adicionava mais batatas ou água; às vezes eu tirava um pouco. Então, eu adicionava todos os outros ingredientes – todos sem medir – e colocava a panela para ferver. Pode imaginar?

De algum modo o curry sempre ficava aceitável, mas o que eu passei para colocar aqueles pratos todos juntos!

Uma vez eu preparei algumas berinjelas para servirem de acompanhamento ao curry e, na hora de servir, elas tinham ficado bem escuras. Eu pedi encarecidamente a um dos discípulos que estavam servido a comida para não servir este prato de má aparência a Guruji, mas quando o discípulo retornou a cozinha, ele disse “Paramahansaji viu os pratos sendo servidos entre os convidados, avistou a berinjela e disse: Tragam-me um pouco delas! Embora nenhum prato tenha retornado (talvez os convidados tenham pensado que isso era uma iguaria especial), eu tinha certeza que seria repreendida pelo meu engano.

Mais tarde, já no dia seguinte, após encerrar suas entrevistas, ele disse a mim: “Você cometeu um pequeno engano, não foi?” Sabendo o curso de nosso pensamentos, ele sem dúvida sentiu que eu tinha sofrido o suficiente na antecipação de seu desprazer.

Enfim, o guru é enviado por Deus para remover todas as sutis barreiras mentais que nos previnem de conhecer a nossa verdadeira natureza da alma. Nós devemos nos preparar para passar por todas as experiências concebíveis para que conheçamos nosso potencial divino e para saber o que realmente passa com os outros a nosso redor.

Por que, embora você veja, em retrospecto, quão valiosas estas experiências são, quando você está no meio da batalha, a dor pode ser tão arrebatadora que você esquece o que realmente está passando?

A Ilusão é muito poderosa. Pode parecer que os problemas ficam mais difíceis quanto mais profundamente você adentra no caminho. Mas a cada desafio você ganha conhecimento, sabedoria e força. E você se livra mais uma vez daquelas camadas de ilusão que cobrem a alma. Ou seja, você deixa seu “eu” – seu pequeno e limitado ego-eu – para trás. Cada experiência lhe aproxima do ponto onde você poderá fazer o que for o melhor em sua habilidade para Deus – e sem sombra de dúvida sobre a sua capacidade de realizar isto. Por último você se torna profundamente grato por tudo que aconteceu a você porque você compreende que foi para seu bem maior.

Então, nós devemos prestar atenção em cada aspecto, cada detalhe do que acontece a nós, e abraçar todos eles: seja bom/mau; pequeno/grande...

Uma vez eu estava com Paramahansaji na sala de recepção do Eremitério de Encinitas. Ele viu uma pequena linha branca – era quase imperceptível – no carpete, a uns 30 centímetros de onde ele estava, e pediu a mim para pegá-la. Eu o fiz – claro, e nada mais foi dito. Quando eu pensei mais tarde sobre isto, eu compreendi que ele estava me ensinando a não olhar as coisas de forma despercebida, que eu devia atentar para o menor detalhe.

Ao mesmo tempo, nós não devemos ser muito perfeccionistas nas coisas deste mundo, nem sermos muito analíticos sobre nossas experiências. Agir com o que é apropriado para o momento, então dar o próximo passo. Nós temos que usar nossa inteligência, mas ter em mente que ela é apenas um instrumento – e um instrumento limitado.

Quando eu vim pela primeira vez a Mount Washington, eu me arrependi de não ter sido mais atenciosa na escola, não ter obtido uma melhor instrução educacional, para mais completamente servir a SRF. Eu decidi que iria pegar alguns livros e estudar por mim mesma para me desenvolver. Alguns dias depois eu estava com alguns discípulos perto do lugar onde Paramahansaji falava com alguns monges. Em algum ponto no meio da conversação ele virou seu olhar para mim e disse: “livros não lhe darão o que você quer”, então, ele voltou a falar com os monges, sem perder a linha da conversa. Sua mensagem: “Procure Deus primeiro e todas as demais coisas lhe serão dadas” – sabedoria, conhecimento, o que você verdadeiramente precisar.

A bíblia diz: “Em tudo dê graças, pois esta é a vontade de Deus.” Estas palavras não são somente amáveis. As escrituras abundam de Leis espirituais. A verdade é que tudo que acontece a você é destinado a libertá-lo da consciência limitada do Ego e reunir você com Deus. Você não deve ter medo de nada, porque o Senhor lha dá mais do que toma. Sua vontade é sempre pelo bem. Sempre. Quando você compreende isto, você está em verdade começando a compreender “E a verdade vos libertará”.